sexta-feira, 7 de maio de 2010

Aterro "irregular e ilegal"

MP pede explicações à Câmara municipal e à Capitania do Porto do Funchal
Data: 07-05-2010

O Ministério Público (MP) junto do Tribunal Administrativo de Círculo do Funchal (TACF) pediu explicações à Câmara do Funchal (CMF) e à Capitania do Porto do Funchal por causa do aterro junto ao cais da cidade. Depósito de inertes na sequência da aluvião que assolou a zona sul da ilha da Madeira, em particular o Funchal, no dia 20 de Fevereiro. O MP abriu um Processo Administrativo (PA) por entender que se trata de um aterro em local classificado pelo PDM como "Praia -zona de espaço de protecção natural e ambiental" e porque o aterro também ocupa parte do próprio leito do mar, zona de Domínio Público Marítimo (DPM) do Estado.

O despacho de notificação a pedir explicações à CMF e à Capitania, para que estas entidades se pronunciem, é de 26 Abril último. Pede-se concretamente que a Capitania informe se fez alguma diligência, ou se está a tomar alguma providência para regularização deste aterro, dado tratar-se de zona de DPM. Solicita-se também à CMF que informe se tomou, ou está a tomar alguma iniciativa com vista à regularização da situação, nomeadamente no que diz respeito à reposição da conformidade do local com o PDM e demais legislação em vigor.

Segundo o despacho do Procurador da República, João Luís Gonçalves, o aterro poderá ter um carácter "provisório", mas não deixa de estar ferido de ilegalidade.

"Dada a situação excepcional que esteve na sua origem, consideramos que o aterro poderá ser justificado, como solução provisória (dada a grande quantidade de detritos, urgência na sua remoção e dificuldade de circulação nas estradas, nos dias posteriores àquela data). Todavia, este local nunca esteve previsto para vazadouro de pedras, terras, ou quaisquer detritos, quer no PDM-Funchal, quer noutro diploma legal. Trata-se, portanto, de um aterro irregular e ilegal, no sentido que este não é local legalmente previsto para esta finalidade", revela o despacho.

Mais se diz que o aterro abrange não apenas uma parte da margem das águas do mar (praia, zona de espaço de protecção natural e ambiental), como também ocupa parte do próprio leito do mar, zona de DPM do Estado (Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro). De igual modo, nos termos do diploma, os espaços conquistados aos leitos dominiais marítimos "entram automaticamente no domínio privado do Estado".

Trata-se de um PA instaurado pelo próprio Procurador da República (não houve nenhuma queixa particular que o tenha suscitado) enquanto representante do Estado, e no âmbito das suas competências para "propor as acções necessárias à defesa dos interesses do Estado e dos valores do ambiente e do urbanismo", como é explicado no despacho. Uma vez instruído, pode ser requerido o julgamento do PA.

Ilegalidade na R. Brava e L. Baixo

Segundo conseguimos apurar, há também PA em curso propostos pelo MP a propósito de outros aterros junto ao mar, na sequência do temporal. Designadamente na Ribeira Brava e junto à Marina do Lugar de Baixo, cuja legalidade também foi questionada pelo MP. Os despachos a notificar a Capitania e as Câmaras da Ribeira Brava e Ponta do Sol já devem ter seguido.

Ora, um dos aterros situa-se precisamente junto à marina do Lugar de Baixo e esse aterro levanta ainda mais dúvidas de ilegalidade depois de um acórdão do Tribunal Constitucional.

Domínio público é do Estado

A contestada Lei n.º 54/2005 diz de modo claro que "o domínio público marítimo pertence ao Estado", enquanto que o restante domínio hídrico (lacustre, fluvial, etc.) pode pertencer às Regiões Autónomas e Autarquias. E à luz da lei, a conquista de terreno ao mar obedece a regras sendo que a Lei estabelece claramente que se a conquista de terreno exceder as margens do artigo 10.º (margens das marés), "entram automaticamente no domínio privado do Estado" (não da Região).

É de longa data, mas agudizada ultimamente (ver peça ao lado), o contencioso entre a Região (Governo Regional) e o Estado por causa do DPM. O Governo Regional entende que pode administrar como melhor entender a zona de DPM e que a entidade administrante é a Secretaria Regional do Equipamento Social.

Uma área que urge clarificar mas enquanto não o for a Lei é para ser respeitada. A solução/clarificação (por exemplo para os aterros no mar ou para a ocupação de DPM não afecto às forças armadas), só pode passar por repor a situação anterior ou "legalizar" as situações de facto já existentes por via legislativa (Assembleia Regional e/ou da República), e não por simples "resoluções" do Governo Regional.

'Jurisprudência' no Porto Novo e marina do lugar de baixo

A "administração", que não a titularidade, do Domínio Público Marítimo (DPM) pode caber à Região. Mas há muitos problemas que devem ser tidos em conta (delimitação da costa, exige pareceres das Autoridades marítimas nacionais; parcelas do "domínio privado do Estado"; o reconhecimento a privados da titularidade de terrenos em área de DPM, caso se prove que a propriedade já era do domínio privado antes de 31 de Dezembro de 1864 ou 22 de Março de 1868 caso se trate de arribas alcantiladas, etc.).

Há um contencioso com a Região sobre as competências regionais no âmbito da administração do DPM. Há processos e recursos pendentes onde foi levantado este problema. Exemplo disso é um recurso em Santa Cruz de um caso suscitado pelo Tribunal Administrativo, no qual foi requerida anulação de um acordo entre a Região e particulares sobre parcelas do DPM. Há também o caso da marina do Lugar de Baixo em que, em 2009, surgiu um acórdão do Tribunal Constitucional (baseado num pedido de 25 deputados do PS) que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de uma norma de Decretos Legislativos Regionais que permitiam ao GR a desafectação dominial e integração no património de uma sociedade de capitais públicos das faixas de DPM relativas à marina do Lugar de Baixo. Ou seja, a Região não pode desafectar zonas do DPM porque pertencem por natureza ao Estado.

Ainda recentemente, o GR encetou o processo de regularização da ocupação do DPM referente ao Aquário do Porto Moniz e Centro de Maricultura da Calheta que requereram emissão de licença.

Emanuel Silva http://www.dnoticias.pt/Default.aspx?file_id=dn04010207070510

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