O risco é real. "O Jornal da Madeira (JM) pode, daqui a uns dias, ficar sozinho". Foi desta forma que José Câmara, da administração da EDN, proprietária do DIÁRIO, alertou aos deputados da Comissão de Ética da Assembleia da República (AR) para o estado da imprensa na Região. Sem poupar nas acusações, foi peremptório: "Uma concorrência destas é para nos matar". "A minha opinião pessoal é que é intenção do Governo Regional fechar o DIÁRIO", disse ainda, questionado pelo deputado do PS, Luís Miguel França.
Michael Blandy, do conselho de gerência da EDN, foi ainda mais longe: "O que o Dr. Alberto João Jardim quer é pôr o DIÁRIO de joelhos, de forma a não desempenhe o papel que tem vindo a desempenhar ao longo dos anos". E que papel é esse? Como resposta o empresário britânico lembrou as palavras do ex-presidente da República, Jorge Sampaio, numa cerimónia pública acerca do "contributo do DIÁRIO para a democracia madeirense e do país". Michael Blandy afirmou que isso "é motivo de orgulho", mas deixou no ar que seguir a máxima do revolucionário mexicano Emílio Zapata ('É melhor morrer de pé do que viver de joelhos') tem um preço caro. "Não há algibeiras cheias", lamentou, garantindo que a subsistência do projecto é uma verdadeira luta pela sobrevivência. "Faremos todo o possível para aguentar", sublinhou.
"Não há inveja"
A audição foi em catarse e não ficaram pontos por explicar. Michael Blandy deixou claro que o que move o DIÁRIO não são sentimentos de "inveja". Depois de uma introdução do deputado José Manuel Rodrigues, autor da iniciativa de realizar este debate no parlamento nacional, o presidente do Conselho de Gerência da EDN lembrou que este assunto não é novo. "Não apresentamos queixa mais cedo, porque a empresa dava lucro", justificou. E prosseguiu: "Tínhamos razões jurídicas, mas não morais".
A asfixia financeira veio há dois anos, com a passagem do JM a gratuito, e resultou já em 38 despedimentos por parte da EDN, lembrou. Os prejuízos são avultados e os exemplos de 'dumping' [venda de publicidade a baixo de custo] apresentados foram vários. José Câmara sustentou-os com documentação distribuída de antemão aos deputados. O administrador revelou, por exemplo, que a necrologia, que no DIÁRIO tem um preço de 150 euros, foi gratuita durante dois anos no JM". "A Madeira é uma terra pequena e toda a gente se conhece, por isso as coisas são fáceis de saber", explicou.
JM é para manter
Uma coisa ficou clara: Ninguém quer acabar com o JM. Nem os partidos (PS e CDS-PP defenderam esta ideia com veemência), nem a EDN. Aliás, José Câmara revelou que tentou desde sempre uma solução com o Governo Regional, mas que foi inviabilizada. O responsável não fechou a porta a um entendimento, desde que se respeite a Lei. "As regras são para cumprir", defendeu. "Não temosqualquer problema de nos sentarmos para conversar", anuiu.
Mas as coisas não estão fáceis. A empresa admitiu, em última instância, recorrer aos tribunais, portugueses e europeu. Mas o administrador sublinhou que tudo isto é muito moroso. E deixou uma interrogação: "Será que a empresa aguenta?". José Câmara não quer esperar para ver e espera que os deputados legislem sobre a matéria. "Foi também por isso que viemos aqui", concluiu.
O silêncio cúmplice do PSD e do Presidente da República
José Câmara disse ontem ter pena que os social-democratas tenham optado por ficar de fora do debate. Tal como na audição do Grupo Liberal, a semana passada, os deputados do PSD-M não compareceram e o grupo parlamentar não colocou perguntas. O administrador da EDN recordou a ida de Cavaco Silva à Madeira, em 1995, enquanto primeiro-ministro, sublinhado que já nessa altura o agora Presidente alertou para a questão da concorrência desleal. José Câmara lamentou que hoje não venha nenhuma palavra de Belém sobre isto, depois da empresa ter feito chegar toda a documentação sobre este extenso dossier à Presidência da República. Manuela Ferreira Leite e Paulo Rangel também foi recordados pelo silêncio cúmplice. Na defesa da honra da bancada, Agostinho Branquinho disse que o PSD tem estado sempre na linha da frente da defesa do pluralismo. E se José Câmara não duvidou dos valores social-democratas recordou que estes ainda não chegaram à Madeira. "Se tivessem chegado não estávamos hoje a fazer este debate", concluiu.
Rodrigues em despique com Marques Guedes
É já uma situação recorrente desde que o CDS-PP resolveu discutir a imprensa regional no parlamento nacional. O PSD diz que o debate devia ser na Madeira. Ontem não foi excepção e a reunião na comissão de Ética ficaria marcada por um animado despique entre o deputado José Manuel Rodrigues e Marques Guedes, o deputado social-democrata, que preside à comissão.
Numa iniciativa pouco comum para as funções, o presidente fez uma intervenção antes da apresentação de um requerimento centrista para que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e a Autoridade da Concorrência (AdC) prestem esclarecimentos sobre esta matéria.
Marques Guedes manifestou preocupação pelo facto de o parlamento nacional poder estar a ser instrumentalizado por razões políticas. Na resposta, José Manuel Rodrigues, disse respeitar a opinião do presidente, mas que esta "é indiferente" para a tomada de decisão do seu partido. "O que está aqui em causa é saber se a Constituição é aplicada em todo o território", defendeu. Marques Guedes usou mesmo a expressão "esticar de corda".
Apesar disso, o deputado madeirense conseguiu o apoio de todas as bancadas, que viabilizaram a iniciativa. O PS, através de Luís Miguel França, corroborou. "O que está aqui em causa é o Estado de direito".
O PSD votou sozinho e, no fim, Marques Guedes não se inibiu de fazer mais críticas. "Vai ser uma inutilidade", considerou. Catarina Martins, do BE, não poupou os social-democratas. "Estamos à espera que nos digam onde é que se pode discutir este assunto, já que aqui votam contra e na Madeira chumbam todas as iniciativas da oposição sobre esta matéria", criticou. E concluiu: "A não ser que a posição do partido seja aquela que vem nos comunicados do Governo Regional, que fala em "colaboracionismo" e triângulo do mal" a propósito dos órgãos de comunicação social na Região.
Clara mas para já sem consequência
O resumo foi feito por José Manuel Rodrigues na intervenção final: "Estamos esclarecidos". A situação da imprensa regional foi ontem amplamente escrutinada e não houve interrogações sem resposta.
Os deputados da Madeira, Rodrigues (CDS-PP) e Luís Miguel França (PS), estavam em território conhecido. Ambos ex-jornalistas mostraram-se à vontade nesta matéria. E se o deputado do CDS procurou deslindar a situação da imprensa na Região, recordando as ameaças de expropriação ao DIÁRIO, confirmadas por José Câmara, não deixou de responder também a Jardim, demonstrando, através dos estatutos do regulador, que o Governo Regional não está fora da Alçada da ERC. Já o socialista preocupou-se mais com as questões editoriais e a manutenção de ambos os projectos. "Ficou satisfeito que a EDN não queira o fecho do JM", disse, antes de perguntar se um entendimento com o Governo Regional colocaria em causa a independência do DIÁRIO.
Comunicação social estupefacta
A imprensa nacional que ontem cobriu a audição parlamentar na comissão de Ética ficou estupefacta com as provas de atentado ao pluralismo. Por menos cá instaurou-se uma comissão de inquérito, comentava-se. Em Lisboa não se tem noção, ouviu-se.
Até Guilherme Silva escreve no DIÁRIO
Michael Blandy contestou a teoria de Marcelo Rebelo de Sousa, de que o DIÁRIO é a oposição na Região. "Não é esse o nosso papel", disse, lembrando que a publicação tem cronistas de todos os partidos. "Até o Dr. Guilherme Silva escreve", afirmou.
"JM é uma arma e um brinquedo de Jardim"
"Faça do jornal uma arma política". As palavras ditas pelo então bispo da Diocese madeirense, António Santana, quando entregou o JM a Jardim, há mais de 30 anos, foram recordadas por José Câmara, que não tem dúvidas de que a máxima mantém-se. "Uma arma e um brinquedo".
Marques Guedes interventivo sai a meio
O presidente da Comissão de Ética, Marques Guedes, não se inibiu, apesar das funções, de se mostrar desfavorável desde o início à realização das audições. Ontem, apenas presidiu a uma parte da reunião, tendo pedido para ser substituído pela vice-presidente.
Branquinho contra Governo no JM
Apesar de ter criticado desde sempre a iniciativa do CDS, que levou este debate à Assembleia da República, o porta-voz do PSD na comissão de Ética, Agostinho Branquinho, manifestou-se "a título pessoal", contra a propriedade de órgãos de comunicação por parte dos Governos.
Reacções
Michael Blandy, gerência da EDN
"Não sabemos o que vem aí. O Governo Regional pode lembrar-se, para além de dar o JM, oferecer 15 euros a todas as pessoas que o lêem. Faremos o possível para aguentar".
José Câmara, administração da EDN
"Tudo o que o DIÁRIO escreve é alvo de desmentido. Chega-se a desmentir o desmentido, numa tentativa de desacreditar um título informativo".
Catarina Martins, BE
"Eu percebo o desconforto do PSD depois de tudo o que tem dito nesta comissão sobre pluralismo. […] O que está em causa é o respeito pelos cidadãos da Madeira".
Luís Miguel França, PS
"Mais uma vez cumprimento o PSD pela coerência. É melhor optar pelo silêncio do que defender o que não tem defesa possível".
Agostinho Branquinho, PSD
"A agenda política do PSD é o PSD que a define e não aceitamos imposições de ninguém" [respondendo a José Câmara que disse que o partido foi informado].
Rita Rato, PCP
"Para nós é importante que este debate se realize também na Região Autónoma da Madeira, mas não nos opomos às audições da ERC e AdC".
José Manuel Rodrigues, CDS-PP
"O senhor deputado pode confundir rainhas, o que não pode é confundir autonomia com democracia" [dirigindo-se a A. Branquinho, que trocou o nome da rainha D. Maria].
(DN Madeira)
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