sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Gente como nós

“A maior parte dos deputados nem sabe o que está a votar”. Ouvi o desabafo da boca de um conhecido deputado nacional, no corredores do parlamento depois da votação do Orçamento de Estado (OE). “Se lhes for perguntar, vai ver”, acrescentava, com alguma indignação. Não estava a falar da aprovação das contas do Estado para o próximo ano, mas de outro documento que foi a votos no mesmo dia, mas a expressão assenta que nem uma luva também no OE.

Ninguém pede que os deputados e deputadas sejam mais do que são: Humanos. Não se lhes pede que dominem a macroeconomia e a microeconomia com a destreza técnica de um economista, quando até tem o direito como formação base, ou outra. É por isso que são encaminhados para comissões especializadas, consoante os temas onde estão mais à vontade. Mas parece-me que muitos eleitos se esquecem rapidamente dos seus eleitores, que lhes deram um voto de confiança para os representar. Seja por ignorância (no sentido de desconhecimento), seja por amarras partidárias, ou por desinteresse puro. Há excepções, como em todas as generalizações.


Apesar de terem um dia por semana, a segunda-feira, livre para contacto com o eleitorado, poucos o fazem e por isso votam, como autómatos, coisas com impacte profundo na vida das pessoas, como se estivessem a responder a um inquérito na Internet. Afinal, já estava tudo decidido à partida. Assistir a este debate do Orçamento de Estado foi como ver uma partida de futebol em diferido, sabendo de antemão o resultado, mas sem a emoção dos golos, que existe mesmo quando já se estava espera.


A classe política, na Madeira ou no continente, está fechada. Longe do povo e sempre a pensar no próximo acto eleitoral, seja interno ou externo. Vive nesta lógica perversa que facilmente deixa para trás o interesse da Nação. Não aceita que há alturas na vida que exigem outra honestidade intelectual. E por isso, há quem viabilize um OE apenas dizendo apenas que é mau, preocupado mais com a segunda metade de 2011 e as danças de cadeiras que se seguem. Como se o país pudesse almejar uma alternativa ao sufoco financeiro com outra cor política no poder. Não pode, como aliás foi assumido por Manuel Ferreira Leite, a única que teve a ousadia de fugir ao guião. Mas do que atribuir culpas, agora é preciso soluções.


À saída do plenário, outro parlamentar dizia: “Vou dormir descansado”. Se fosse passar um dia com uma família em dificuldades face aos cortes, que acabou de viabilizar, duvido que mantivesse o sono tranquilo. É que a austeridade não é para as estatísticas, não é para acalmar os mercados internacionais , nem calar as agências de rating. É para gente como nós.

(DN Madeira)

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