A confirmarem-se os cenários previstos para os impactos das alterações climáticas nos recursos hídricos, até ao final 2050, o volume de água disponível anualmente para recarga e para o escoamento superficial deverá diminuir em cerca de 30% e de 40 a 50% até ao final do século.
Os dados, retirados do projecto CLIMAAT II (2006), revelam que a redução da recarga deverá conduzir a um rebaixamento dos níveis freáticos no aquífero (formação geológica que pode armazenar água subterrânea) vulcânico de base. Além disso, a esperada subida da água do mar poderá potencial o risco de intrusão salina nas águas subterrâneas.
Ligada à investigação dos recursos hídricos na Madeira, a geóloga Susana Prada sublinha que é "hoje inquestionável" as alterações que se têm registado no planeta, desde meados do século XIX, sobretudo ao nível da concentração atmosférica de CO2, com um consequente aumento da temperatura média do ar, o qual terá impactos na circulação geral da atmosfera tanto ao nível do clima global como local.
A investigadora e Professora Auxiliar Agregada do Centro de Ciências Exactas e da Engenharia, da Universidade da Madeira, sublinha que "dado o seu isolamento", a Região "depende de um correcto aproveitamento dos recursos disponíveis, sendo particularmente vulnerável às alterações climáticas, uma vez que os seus recursos naturais, especialmente os hídricos, estão directamente relacionados com o clima". Nesse sentido, torna-se "necessário e urgente promover o estudo dos impactos provocados pelas alterações climáticas antropogénicas sobre os seus recursos hídricos e propor as medidas de mitigação (combater as causas das alterações climáticas) e de adaptação mais adequadas a contrariar e/ou suavizar os efeitos desta realidade."
Susana Prada sublinha que na regionalização do estudo das alterações previstas pelo projecto CLIMAAT II foram utilizados dois cenários de emissões de CO2: A2 (menos optimista) e B2 (mais optimista) compreendendo os períodos de análise de 2040-69 e de 2070-2099.
No que se refere à precipitação, estima-se uma redução de 5 a 30% em ambos os cenários, entre 2040 e 2069, e uma redução de 20 e 40% em ambos os cenários, entre 2069 e 2099.
Ao nível da temperatura, os aumentos, entre 2040 e 2099, são de 2,2 a 3,2ºC, no cenário A2, e de 1,4 a 2,2ºC no cenário B2.
25 Fontes pode secar no Verão
Susana Prada refere que a diminuição da recarga vai reduzir drasticamente o caudal das nascentes, as quais representam 60% dos recursos subterrâneos captados actualmente. "Admite-se que a maior parte das nascentes, algumas das quais emblemáticas, fazendo parte do nosso património natural, como as '25 Fontes', possam chegar a secar durante o Verão", disse.
Por outro lado, sendo uma consequência, em 75% da precipitação e em 25% do escoamento subterrâneo, as águas superficiais sofrerão também "uma redução levando a que certas quedas de água características da paisagem da Madeira, como o 'Véu da Noiva' ou o 'Risco', de grande beleza natural e importância ecológica, venham a perder impacto".
Espera-se ainda, segundo a investigadora, "uma diminuição do caudal das galerias e túneis como consequência directa da diminuição da recarga subterrânea, com consequências no caudal para abastecimento público uma vez que a água das galerias e túneis contribui em cerca de 20% para a água de consumo". Além disso, calcula-se que a diminuição da recarga prevista tenha como consequência rebaixamentos piezométricos, os quais poderão variar entre 0,6 e 3,4m nos furos da Ribeira dos Socorridos e entre 9,5 e 44m nos furos da Ribeira de Machico. Neste contexto, algumas das bombas de extracção de água, poderão vir a ficar acima do nível freático.
De igual modo, perspectiva-se o avanço da cunha salina quer por redução do volume de água doce causado pela diminuição da recarga, quer pela subida do nível do mar. "A previsível subida de 50 cm do nível médio do mar até ao final do século XXI conduzirá a uma redução da espessura de água doce na zona de interface. Ambas as circunstâncias obrigam a uma redução dos caudais que podem ser extraídos dos furos."
Quanto à qualidade da água subterrânea, Susana Prada salienta que se prevê "um aumento da salinização quer pelo avanço da interface, quer pela descida dos níveis piezométricos; e ainda, um eventual incremento da contaminação agrícola por aumento relativo da concentração de nitratos em função da diminuição da recarga".
Face a estes cenários, a investigadora sugere a melhoria da eficiência das redes e das acções de sensibilização, bem como o desenvolvimento de sistemas de reutilização da água, a adopção de tecnologias de redução do consumo, o aumento da capacidade de armazenamento e a alteração do regime de exploração dos furos de captação, adaptando-o às condições de rebaixamento dos níveis freáticos e à subida do nível do mar. Tudo isto conjugado com "o reforço da investigação para apoiar as políticas de gestão de água na Madeira num conhecimento profundo dos seus recursos hídricos".(DN.Madeira)
Sem comentários:
Enviar um comentário