Quando o chicote da justiça estalar no lombo da derrocada sócio-financeira desta terra, o poder das Angústias aplaudirá o castigo e dirá que 'é bem feito'. Ou alguém alimentará a ilusão de que o grande artífice do sistema ora em decomposição assina facturas indigestas? Como já tem acontecido na era Madeira nova, ouvir-se-á: "Cada um assuma as suas responsabilidades, eu cá não tenho nada com isso."
Os que ainda mantêm capacidade de discernir, a quem grande chefe alcunha de 'bordas-d'água de café', antevêem uma sessão de juízo final na alvorada libertadora. De facto, mais tarde ou mais cedo há-de fulgir no firmamento da parvónia um tribunal de contas, uma cúria republicana, uma judicatura especial, um ministério público imune à adjectivação carroceira, uma polícia de investigação desassombrada -um tribunal marcial que seja, disposto a parar a loucura governativa corrente e, mais do que isso, a vasculhar os antigos balanços de contas para apontar os culpados da ruína financeira e moral. Um órgão que açoite o despudor dos caprichosos e descomunais gastos públicos em fins dispensáveis. Que vá ao fundo da questão e julgue os mentores de um forrobodó com barbas brancas - gozado desbragadamente ao lado de problemas gravíssimos por resolver.
Definham autarquias à espera de dois terços das comparticipações de 2009. Deste ano, pior, zero recebido. E a que porta vão bater, no sufoco financeiro que aniquila a economia regional, fornecedores e prestadores de serviços? Às Angústias? Nem pensar! Os políticos no terreno é que assinaram contratos e programas. Já não podem despir a pele de lobo. Mesmo nas Sociedades de Desenvolvimento, os conselheiros das administrações atiraram-se ao maná como gato a bofe, porém estarão na linha da frente quando o grande malogro for julgado. Eles assinam, o vice não, decerto. Quem sai ao chefe não degenera.
O descalabro piora. Vem aí nova excursão do chefe, de paróquia em paróquia, a exigir obras aos autarcas. Será preciso contentá-lo, iludindo-o nos projectos que pararam. Inventando histórias sobre outros que não poderão ser concretizados, por falta de dinheiro. Mas chefe quer cimento para inaugurar em 2011. Como resolver o dilema? É os autarcas 'entalarem-se' mais, sacudindo a dívida para o juízo final.
Ao ouvir críticas em face dos fogos recentes e preocupações perante as chuvas que hão-de cair sobre as fragas, agora soltas nos montes sobranceiros a cidades e povoados, chefe desafiou os tais 'borda-d'água' a disputar-lhe eleições. Tal como o matulão que, por falta de argumentos dialécticos e de conhecimentos, convida o mais pequeno para a pancada. É certo que às vezes, nessas atitudes arrogantes, cai por terra a jactância dos que se armam em fortes. Mas, no caso das eleições cá do burgo, o sistema foi montado realmente com argúcia. Chefe apoiou o seu partido nas vigas do regime anterior, enquanto se apropriava da ambição autonomista do povo e abanava o papão do comunismo. Então, criou condições para uma euforia desenvolvimentista, assente na praxis trampolineira do 'faça-se que alguém há-de pagar'. As obras, à custa do défice orçamental e das facilidades de Lisboa nas amortizações, mais os apoios europeus, permitiram alastrar cimento e alcatrão. Com a dívida sempre a crescer, até atingir hoje valores arrepiantes, apesar do perdão de cem milhões (de contos!) graças a Guterres.
O sistema lá se instalou e criou raízes. Emprego para recrutas com cartão laranja. Permuta de influências. Banalização de pressões, incluindo na comunicação social. Total obscurantismo. Obscenos subsídios para domínio de todas as actividades da Região! Chantagem junto do tecido empresarial. A Madeira a marchar toda no mesmo passo e quem desafinar é marginal. Um regime irmanado com a igreja - vestes e bênçãos prelatícias nas inaugurações, apoio eclesiástico expresso em campanhas eleitorais. Complacência dos tíbios órgãos de Estado. Numa palavra, um regime dominador, gerador de dependências. E, como diz o ditado, 'quem pode mais do que é justo depressa se faz injusto'.
Hoje, com 30 anos de cristalização do caciquismo, o rei dos farelhões atlânticos pode desafiar para eleições o 'borda-d'água' que lhe dá uma lição de prevenção ambiental e o jornalista que lhe teme as fanfarronices como teme as araras do centro de dia das Angústias. Chefe desafia e ganha eleições. Não domina é as consciências todas.
O regime também ostenta méritos, sejamos justos. Por influência magnética do líder, viceja uma reconfortante harmonia entre os madeirenses. O povo madeirense tem-se unido nas horas eleitorais para, mesmo manietado, revoltado, desempregado, paupérrimo e esfomeado, dar solidariedade a um conterrâneo, o chefe. Para agradecer o apoio popular, chefe e almoxarifes sustentam o regime de impérios económicos inexplicáveis e intrigantes onde prosperam figurões que há bem poucos anos não tinham eira nem beira nem ramo de figueira. No lodaçal da harmonia onde nos atolamos, uns quantos génios da Madeira nova entendem-se entre si para explorar o povo. Discretos mecenas madeirenses financiam aparelhos partidários para que os ditos aparelhos se tornem cada vez mais poderosos e amigos dos seus amigos. O circuito harmonioso fecha-se voltando ao povo que, rendido ao magnetismo do chefe, e depois de ter legitimado com a força do voto os ditadores Salazar e Marcello durante 50 anos, alimenta a situação actual com o seu papel nas urnas e amparando com altruísmo meia dúzia de empórios, à força de suor e de impostos. Triunfo da canga e do baile pesado que nem enxurradas nem incêndios varrem das cabeças. E assim se eterniza a reaccionária máxima de que mudar do 'péssimo' pode levar ao 'mais péssimo'. Ou seja, se o chefe um dia sair, a Madeira fecha.
E queixa-se o chefe de que o madeirense é o pior inimigo do madeirense!
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